Cubo Mágico - Final
- Você já disse pra ela como se sente? - perguntei.
- Não completamente - fez uma pausa, pensou e continuou - Bem, já comentei um pouco meus pontos de vista... quando tinha sorte era como se estivesse falando pro vento, quando não tinha tanta, era motivo de discussão. Então parei de falar, prefiro evitar conflitos.
- Mas esse não é bem um tipo de conflito, é sua maneira de ver as coisas, são as suas verdades.
- Talvez eu mesma não soubesse quais eram minhas verdades.
Juro que minha garganta secou ao ouvir isso. Afinal, não fazia muitos meses que eu conheci Aninha. Quanto tempo era preciso para uma pessoa perceber que, se a vida fosse um cubo mágico, nós mesmos seriamos as mãos que movimentam seus lados?
- Acho que descobri com o pôr-do-sol - e sorriu sem graça com meio canto da boca.
- Ah sim - disse ainda meio perplexa, mas sem demonstrar - Os momentos que passamos sozinhos são muito bons para conhecermos quem somos. Isso é uma coisa que a gente vai descobrindo aos poucos e tem que se adaptar. Igual os lados do cubo mágico - precisei citar e peguei o brinquedo que estava frouxo na mão dela - Quando você descobre uma sequência geralmente precisa mexer em outros quadrados, mudar a sequência de lugar e encaixá-la novamente - falei alinhando dois quadradinhos amarelos.
- Sei - e ao dizer isso pegou o cubo de volta da minha mão, alinhou de uma vez duas fileiras amarelas e riu.
- Eu gosto de você sabia? - falou um pouco tímida
- Que bom. Quer dizer que sou uma pessoa de sorte! - sorri pra ela e voltei meus olhos pro meu livro, enquanto ela levantava da canga.
- Talvez não seja da minha companhia que minha prima precise.
Me espantei novamente com tamanha decisão nas palavras dela e olhei para sua expressão firme e pensativa.
- E por que não?
- Porque comigo as coisas são sempre comuns. Não consigo fazê-la mudar, não consigo desafiá-la, não gero progressos. Acho que sou azul e ela é branca - apontou para as fileiras que dividiam arestas no cubo (mas que não faziam parte da mesma sequência) e pegou o brinquedo - Ah, hoje quero levá-lo comigo.
- Tudo bem. Cuide da sua prima então hein - e pisquei o olho como sempre.
Na outra terça ela não voltou. Nem na outra. Nem na seguinte. Senti uma saudade imensa e fiquei com medo de não encontrar mais aquela pessoa adorável que me descobriu sem querer. Então depois de um mês, mais ou menos às cinco e meia, eu vi surgir por detrás do meu livro um ponto florido atravessando o parquinho de areia. Aninha, usando dessa vez um vestido com pequenas flores coloridas, sapatilha de bolinha, óculos escuros e rabo de cavalo, trazia uma caixinha na mão. Hoje, ao contrário de sempre, parecia que ela mesma tinha adubado um jardim inteiro com os raios que propagava de si.
- Andava sumida você - falei normalmente.
- Gastei um tempo olhando o crepúsculo da janela do meu quarto, pensando na vida.
- Ah é?
- Uhum. Como você mesma disse, passar um tempo sozinha é bom pra se conhecer mais.
- Aliado a uma certa dose de questionamentos, sem dúvida.
O sol vinha descendo e Aninha, já sentada na minha canga, tirou os óculos ao mesmo tempo que eu, para apreciar o momento.
- Da janela do meu quarto ele é bonito, mas daqui é mais.
- Deve ser porque aqui tem mais da natureza.
- Coisa de Deus né - falamos ao mesmo tempo e rimos.
- Sabe, senti sua falta - falei com voz suave.
- Eu também, mas prometi que só iria voltar quando conseguisse te trazer esse presente - e me entregou a caixinha.
Quando abri a tampa encontrei o cubo mágico no meio de papéis picados coloridos. Só que dessa vez com todos os lados coloridos completamente com uma cor só.
- Pensei que você fosse querer entregá-lo a sua prima.
- Eu também. Depois percebi que seria pirraça e desperdício. Devia mostrá-lo a ela sim, mas que era você quem realmente merecia tê-lo.
Meus olhos ficaram marejados, mas disfarcei. Senti uma mistura de orgulho, satisfação, ternura, gratidão e felicidade tão intensos quanto ver o pôr-do-sol.
- Minha prima tentou amenizar o espanto ao vê-lo completo, mas absolutamente nada do que ela pudesse dizer iria abalar minha felicidade - sorriu e continuou - A gente continua se falando normalmente, mas agora no limite do que é saudável pra mim, e de certa forma pra ela também. Ela passa mais tempo com o namorado agora.
Senti que ela estava bastante satisfeita com as mudanças.
- Mas e aí, o cubo abriu pra você descobrir o que havia dentro? - perguntei rindo.
- Não... - respondeu teatralmente e fez um biquinho tímido - mas o que eu realmente precisava descobrir sempre esteve fora do cubo. E acho que você sempre soube disso - piscou um olho, sorriu e colocou os óculos de sol, atravessando de volta o parquinho de areia.
Eu vi ir embora, mas sabia que dessa vez só por uma semana, uma menina que havia enfim descoberto que não tem nada melhor do que descobrir o que há dentro da gente, de verdade. Só assim suas próprias mãos são capazes de mudar de lugar os quadradinhos do cubo da sua vida.
A partir daquele dia, quem a chamasse de Aninha é porque não a conhecia de verdade.
- Não completamente - fez uma pausa, pensou e continuou - Bem, já comentei um pouco meus pontos de vista... quando tinha sorte era como se estivesse falando pro vento, quando não tinha tanta, era motivo de discussão. Então parei de falar, prefiro evitar conflitos.
- Mas esse não é bem um tipo de conflito, é sua maneira de ver as coisas, são as suas verdades.
- Talvez eu mesma não soubesse quais eram minhas verdades.
Juro que minha garganta secou ao ouvir isso. Afinal, não fazia muitos meses que eu conheci Aninha. Quanto tempo era preciso para uma pessoa perceber que, se a vida fosse um cubo mágico, nós mesmos seriamos as mãos que movimentam seus lados?
- Acho que descobri com o pôr-do-sol - e sorriu sem graça com meio canto da boca.
- Ah sim - disse ainda meio perplexa, mas sem demonstrar - Os momentos que passamos sozinhos são muito bons para conhecermos quem somos. Isso é uma coisa que a gente vai descobrindo aos poucos e tem que se adaptar. Igual os lados do cubo mágico - precisei citar e peguei o brinquedo que estava frouxo na mão dela - Quando você descobre uma sequência geralmente precisa mexer em outros quadrados, mudar a sequência de lugar e encaixá-la novamente - falei alinhando dois quadradinhos amarelos.
- Sei - e ao dizer isso pegou o cubo de volta da minha mão, alinhou de uma vez duas fileiras amarelas e riu.
- Eu gosto de você sabia? - falou um pouco tímida
- Que bom. Quer dizer que sou uma pessoa de sorte! - sorri pra ela e voltei meus olhos pro meu livro, enquanto ela levantava da canga.
- Talvez não seja da minha companhia que minha prima precise.
Me espantei novamente com tamanha decisão nas palavras dela e olhei para sua expressão firme e pensativa.
- E por que não?
- Porque comigo as coisas são sempre comuns. Não consigo fazê-la mudar, não consigo desafiá-la, não gero progressos. Acho que sou azul e ela é branca - apontou para as fileiras que dividiam arestas no cubo (mas que não faziam parte da mesma sequência) e pegou o brinquedo - Ah, hoje quero levá-lo comigo.
- Tudo bem. Cuide da sua prima então hein - e pisquei o olho como sempre.
Na outra terça ela não voltou. Nem na outra. Nem na seguinte. Senti uma saudade imensa e fiquei com medo de não encontrar mais aquela pessoa adorável que me descobriu sem querer. Então depois de um mês, mais ou menos às cinco e meia, eu vi surgir por detrás do meu livro um ponto florido atravessando o parquinho de areia. Aninha, usando dessa vez um vestido com pequenas flores coloridas, sapatilha de bolinha, óculos escuros e rabo de cavalo, trazia uma caixinha na mão. Hoje, ao contrário de sempre, parecia que ela mesma tinha adubado um jardim inteiro com os raios que propagava de si.
- Andava sumida você - falei normalmente.
- Gastei um tempo olhando o crepúsculo da janela do meu quarto, pensando na vida.
- Ah é?
- Uhum. Como você mesma disse, passar um tempo sozinha é bom pra se conhecer mais.
- Aliado a uma certa dose de questionamentos, sem dúvida.
O sol vinha descendo e Aninha, já sentada na minha canga, tirou os óculos ao mesmo tempo que eu, para apreciar o momento.
- Da janela do meu quarto ele é bonito, mas daqui é mais.
- Deve ser porque aqui tem mais da natureza.
- Coisa de Deus né - falamos ao mesmo tempo e rimos.
- Sabe, senti sua falta - falei com voz suave.
- Eu também, mas prometi que só iria voltar quando conseguisse te trazer esse presente - e me entregou a caixinha.
Quando abri a tampa encontrei o cubo mágico no meio de papéis picados coloridos. Só que dessa vez com todos os lados coloridos completamente com uma cor só.
- Pensei que você fosse querer entregá-lo a sua prima.
- Eu também. Depois percebi que seria pirraça e desperdício. Devia mostrá-lo a ela sim, mas que era você quem realmente merecia tê-lo.
Meus olhos ficaram marejados, mas disfarcei. Senti uma mistura de orgulho, satisfação, ternura, gratidão e felicidade tão intensos quanto ver o pôr-do-sol.
- Minha prima tentou amenizar o espanto ao vê-lo completo, mas absolutamente nada do que ela pudesse dizer iria abalar minha felicidade - sorriu e continuou - A gente continua se falando normalmente, mas agora no limite do que é saudável pra mim, e de certa forma pra ela também. Ela passa mais tempo com o namorado agora.
Senti que ela estava bastante satisfeita com as mudanças.
- Mas e aí, o cubo abriu pra você descobrir o que havia dentro? - perguntei rindo.
- Não... - respondeu teatralmente e fez um biquinho tímido - mas o que eu realmente precisava descobrir sempre esteve fora do cubo. E acho que você sempre soube disso - piscou um olho, sorriu e colocou os óculos de sol, atravessando de volta o parquinho de areia.
Eu vi ir embora, mas sabia que dessa vez só por uma semana, uma menina que havia enfim descoberto que não tem nada melhor do que descobrir o que há dentro da gente, de verdade. Só assim suas próprias mãos são capazes de mudar de lugar os quadradinhos do cubo da sua vida.
A partir daquele dia, quem a chamasse de Aninha é porque não a conhecia de verdade.
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