Cubo Mágico parte II

- Eu queria saber brincar até completar. Dizem que depois dos lados completos você consegue descobrir o que tem dentro - falou Aninha baixinho.
- Então por que não tenta?
- Porque eu não consigo.
- Ah, você já tentou muito?
- Não, nunca tentei. Mas minha prima sempre diz que esse tipo de coisa é inteligente demais pra mim. Se ela me visse com esse cubo na mão já teria feito pouco caso.
- Então aproveita que ela não tá vendo e tenta - sorri e pisquei um olho. Foi com esse gesto que eu ganhei o primeiro sorriso de Aninha, que me inundou como uma grande onda. Senti que dentro daquele corpo, que tentava passar despercebido pelos outros, havia alguém maravilhoso e fiquei feliz. Nesse tempo o sol começou a sumir e eu tirei os óculos para admirar.
- Acho fantástico como o sol sai tingindo o céu de rosa, enquanto a lua vem pintando ele de azul. Eu devo mesmo amar esse momento pois nunca me canso de vê-lo, onde quer que eu esteja - falei.
Aninha levantou os olhos do brinquedo e fez a mesma cara de contemplação que eu exibia. Parecia um tanto incrédula por nunca ter prestado atenção ao momento e fechou os olhos sorrindo levinho, sentindo os últimos raios do dia.
- É, isso é bonito mesmo... Coisa de Deus né? - disse depois de um pequeno silêncio e me entregou o cubo enquanto levantava - Preciso ir, fique com ele. No próximo sábado você vem?
- Não sei, não tenho rotina. Volte na terça que é mais fácil me encontrar aqui, nesse horário - e peguei o cubo, me despedindo dela com um sorriso discreto.

Todas as terças Aninha chegava sozinha ao parque e sentava na minha canga para conversar, ver o sol se pôr e mexer no cubo mágico. Aos poucos eu ia conhecendo mais alguém que nem sabia como fazer para se conhecer, mas que gostava de conversar comigo.
- Minha prima é legal, do jeito dela mas é - soltou um dia desses.
Levantei a sobrancelha e esperei que ela continuasse.
- Eu meio que faço as coisas do jeito dela... quase nunca sugiro nada de diferente pra gente fazer, como parar para ver o crepúsculo... fica tudo como o de costume - fez uma pausa para suspirar e olhou pro horizonte - Ela é um pouco mais velha que eu, sabe, e costuma falar comigo como se estivesse sempre me dando conselhos, que na verdade não servem pra nada. Talvez ela pense que serei como ela, ou simplesmente nunca tenha se preocupado em pensar em como eu sou.
Sua voz era um tanto pesada e o olhar continuava perdido no horizonte. Percebi que talvez para ela fosse tão difícil encarar essa constatação quanto era imprescindível dividi-la comigo. Novamente senti uma imensa ternura por ela e entendi que não tinha sido por acaso que o tal cubo mágico tinha caído na areia atrás de mim há algumas semanas.

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