Cubo Mágico parte I

Todos os dias ela cumpria a mesma rotina e nos finais de semana passeava pelos mesmos lugares. Gostava de ir com sua prima a um parque do lado da casa dela. Um parque de árvores e plantinhas e patinhos e laguinhos. Aninha - como o próprio apelido representa - era acostumada a adjetivar as coisas no diminutivo. E levar assim, uma vidinha.

Um fim de semana desses a prima dela viajou e ela foi ao parque sozinha. Foi bem nesse dia que eu conheci Aninha. De cabelo trançado, short jeans desfiado, uma camisa de botão discretamente florida e havaianas preta, tinha cara de quem está matando aula. Eu havia estendido minha canga na grama e de óculos escuros, lia um livro esperando o pôr-do-sol. Esse ponto florido entrou então no meu raio de visão por detrás do livro e fiquei observando-a, intrigada com sua cara de desilusão. Enquanto me distraí, minha folha marca-página (com costumeiras e inúteis anotações) voou até a beirada do parquinho de areia por onde Aninha vinha atravessando. Me apressei a pegar a folha e voltar, antes que também a canga voasse. Nesse meio tempo um menino sapeca passou correndo pela areia e derrubou um brinquedo atrás de mim, no qual Aninha tropeçou distraída. Quando virei para sentar na canga, lá estava a menina em pé, segurando um cubo mágico na mão estendida em minha direção.
- Você deixou cair.
- Ah não, deve ter sido uma criança qualquer, não é meu não.
- Uhm...- olhou reticente pro brinquedo e pro horizonte, e depois falou - Sabe como brinca?
- Sei na teoria, mas na prática nunca levei muito jeito.
- Uhm... - e dessa vez olhou desiludida para o lado vazio da minha canga.
- Quer sentar?
- Posso?

Senti compaixão pela garota uns 6 anos mais nova que eu e que provavelmente não tinha adquirido o mesmo gosto em ficar sozinha que a vida tinha me feito aprender.
- Pode sim, estou esperando pelo pôr-do-sol.
- Eu venho aqui todo fim de semana com minha prima mas sabe que nunca parei para olhá-lo? - falou sem o menor ânimo.
- E cadê sua prima?
- Teve que viajar.
- Uhm. Você não parece muito feliz sozinha... 
- É, não estou...
- Porque veio mesmo assim então? - perguntei meio intrigada
- Ah, costume acho. Hoje é meu dia de sair - respondeu com ar distante, sem ter muita consciência de qual era a resposta verdadeira para tal pergunta.
- Sei - comentei complacente - Passe a ver o sol então. É sempre muito lindo e muito inspirador, apesar de parecer simples. Coisa de Deus sabe - e me voltei pro meu livro, enquanto ela fitava o cubo.

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