Julia e Pedro Paulo

Julia não gosta de: cigarro, barba, anéis de ouro, halls preta, cerveja, sotaque, e de perder.
Julia gosta de: histórias, colocar limites, coisas interessantes, carinho, tic tac, caipivodka, conversas e de desobedecer limites.
Só que ela, coitada, tem uma espécie de karma: sempre acaba tendo que dar o braço a torcer ou mudar de decisão.

Um belo sábado ela saiu com suas amigas pra dançar, numa festa super badalada da região. Aliás, ela mora em Cataúba, ou algum nome parecido com esse.
Pois bem. Nesse dia Julia tinha decidido ser a guria mais séria da festa, simpática como sempre (porque mesmo quando precisa ser chata ela não consegue) mas sem dar confiança pra um rapaz sequer.
Só que escolheu um vestido de matar.
E é aí que entra Pedro Paulo.

Paulista, mas malandro que nem carioca, o rapaz fitou Julia durante um tempo até chegar e puxar assunto. Perguntou a idade, depois o nome e ficou cheio de graça com o sorriso infantil da moça. Pra você entender o nível de malandrisse, Pedro Paulo provoca Julia falando que ela tem rugas. Onde já se viu alguém paquerar uma mulher falando que ela parece velha? Não sei, mas ele é dono de um injusto sorriso encantador. E mais ou menos a essa altura, Julia descobre enfim que ele é paulista e está de passagem pela cidade, junto com um grupo de teatro. Por mais que ele ache que foi a cantada do beijo técnico que a conquistou, na verdade foi tudo culpa do karma dela. Ele não sabe, mas ela é atriz e gosta de criar histórias.

Durante a festa ele foi tentando descobrir coisas sobre a vida dela e o clima estava leve e divertido. O sol já havia nascido, a festa acabado e eles estavam sentados no tablado conversando: ela pensando em cama, ele também - não necessariamente com o mesmo intuito. E aí ele convidou ela e as amigas pra assistirem à peça, em sua última apresentação na cidade dentro de algumas horas. "Vou ver, não garanto que venho não" - e foi pra casa dormir.
Mas a ideia de que ele iria embora no mesmo dia e provavelmente eles nunca mais iriam se ver ficou perturbando a mente dela. E aí ela foi, claro.
Nunca resiste a uma boa história.

Mal dormiu, porque chegou em casa perto da hora do almoço, e foi logo pro banho. Despretensiosamente, escolheu um blusa cuja manga escorregava pelo ombro e uma saia godê, ficando com um ar de menina meio 'cinquentinha'. Encontrou Pedro Paulo fumando na frente do teatro e já fez cara de que não gostou. Não só porque ele fumava, mas porque sabia que ela mesma não estava se importando de fato - o tal karma. Mas aí ele deu um daqueles sorrisos e trouxe pra ela um algodão doce, encarnando bem o malandro sedutor. Ponto para os meninos.

Depois da peça ele a levou para um parque, que àquela hora já tinha seus frequentadores bem concentrados em apenas uma área.
Eles sentaram num banquinho no extremo oposto.
Ela colocando limites, ele tentando burlar. A manga caída e vento frio que batia nas pernas dela e balançava a saia contribuíam pro enredo da história, no qual ela conhecia bem o papel que devia seguir: o da jovem-cara-de-anjo que fala 'não' através de lábios doces. Pedro Paulo ainda argumentou e chegaram até a um debate sobre certo e errado que concluiu que certo é quando a ação está de acordo com o objetivo que se pretende alcançar. Foi quando ele lembrou a ela que eles não possuíam objetivo, ou pelo menos nenhum a longo prazo. Mas aí já era hora de ir embora e ele não teve tempo para descobrir que quando ela está vestida pra matar, não quer nada com ninguém e quando parece uma dócil menina, está na verdade disfarçando a loba numa pele de cordeiro, com o perdão da metáfora.

Ele pagou um táxi pra ela ir pra casa e foram juntos até a rodoviária, onde ele desceu pra comprar mais cigarro e cerveja antes de voltar pra São Paulo, enquanto ela seguiria pra Cataúba. Já na rua e segurando a porta, pediu pra ela mandar essa história por email, deu um daqueles sorrisos estonteantes rodeados pela barba espessa e piscou o olho, formando uma das expressões mais irresistivelmente malandras que ela já viu, e então fechou a porta.

É possível que eles se encontrem pela vida, quem sabe daqui 50 anos.
Caso contrário ele nunca vai saber que ela é atriz de verdade.

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