Resiliência

Não me basta apenas plantar.
Plantar é só a primeira parte da longa jornada que tenho prazer em exercer rotineiramente.
Começa com a semente.
A escolho como quem avalia o ultrassom do feto. Junto com a semente coloco todas as minhas expectativas, ou esperanças.
Depois preparo a terra.
Me certifico de que ela está úmida e fofa, e coloco um pouco mais de adubo. Crio o buraco. Aí coloco a semente.
Avalio se está fincada raso ou funda o bastante.
Então espero.

Mas espero por perto, que é pra ver se a semente precisa de alguma coisa.
Elas sempre precisam.

Às vezes de água
Às vezes de um buraco mais fundo um pouco
Às vezes de amor
Outras só de companhia. As sementes não gostam de ficar sozinhas.

Quando nascem as primeiras folhas, sorrio. A segunda parte da empreitada está caminhando.
E agora o foco da atenção muda.
Cuido para que os animais não machuquem as folhas.
Rego.
Alimento.
Tomo cuidado de não deixar sufocar e vejo o pé ficando forte, tomando forma.

Alguns dias decido não ir lá perto que é pra não alimentar minha ansiedade. As expectativas das sementes agora são grandes, são folhas. Tenho que tomar cuidado comigo.

As coisas estão indo bem até aí. Os frutos já começam a dar sinal de vida nas pontas dos galhos quando então aparece um predador.
Derruba os frutos verdes no chão,
machuca as folhas.
Olho com tristeza pro meu pézinho e penso que ele vai demorar a se recuperar.
Finco uma estaca ao lado dele e o apoio. Passo uma tala, ele reage bem.
Pra minha surpresa, poucos dias depois os pequenos frutos voltam. Crescem, ficam vistosos.
Olho aquele fruto lindo, coloco nas mãos e chega a hora.
Mordo.
Morder parece doloroso, mas não é. Só não conheço outra palavra pro momento.
Experimento com calma todos os sabores daquele pedaço de vida que cuidei com tanto amor.
Sinto o sabor, o formato e o cheiro. Que orgulho, como ficou bonito!

Aí então encontro a semente dentro dele.
Ela sorri pra mim pedindo uma chance.
Quer ser árvore também.

Não resisto e planto.

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