Por cima do abstrato

Era madrugada quando acordou. O clima era ameno mas a vida era dura. Levantava quando o sol não tinha saído, voltava para casa no escuro e forçava seu limites. Talvez as pessoas pensem que é fácil para ela dar conta de tudo, uma vez que ela relata os fatos com voz suave e orgulhosa. Mas não, não é fácil. Ela mesma não é fácil e isso é um dos motivos que mais lhe dá orgulho.
Arrumar energia para correr até meia-noite é fácil. Difícil é dizer pro corpo que ele vai conseguir.
Chegar em casa sozinha tarde da noite é fácil. Difícil é convencer o corpo a levantar às 6h, se ele deitou às 1h.
Querer aprender tudo sobre a História do mundo nesses milhares de anos é fácil. Difícil é conseguir estudar com a cabeça latejando da pressão.
Nada é fácil, mesmo se ela estiver sempre sorrindo.
Sempre foi de pensar muito e isso a consome. Sonha com seu mundo, seus planos, seus ideais. Sonha com carro, presentes, casa, amor, inteligência e viagens. E viaja.
Só que sempre chega uma hora que a gente fraqueja. Falta pouco, mas vem a dúvida: será que isso é bom ou ruim? A hora que a gente fraqueja é quando olha para seu planos e sabe que foram todos construídos por cima do abstrato. Na vida não temos garantias. De que importa para o destino se ela sofre, tropeça, se atrasa, apanha, corrói-se, magoa-se e cobra tanto de si mesma quanto qualquer chefe? O destino testa o limite da nossa lucidez. Aí ela desiste, senta, olha o horizonte esperando a maré virar, se ajeita no barco e rema com força. Do abstrato pro concreto são duas léguas de distância ou dois palmos. Depende de quanto você remou. Ela cansa, sofre, corrói-se, tropeça e fraqueja. Mas insiste. Nunca deixa o difícil vencer o fácil quando o quesito é desistir.
Quer ultrapassar o abstrato.

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