Anacrônica
Eu sinto o tempo escorrendo entre meus dedos
Como areias movediças dentro da ampulheta
Eu sinto muito
E eu gostaria às vezes de sentir menos, de me sentir normal
Sentir o tempo entre os dedos é um sentimento físico porque ele corta um pouco
Ora chego muito cedo, ora parece que já cheguei tarde
Será que um dia estarei sincronizada com ele?
Ou é de grandeza tal que nunca aprenderei a decifrá-lo?
As pessoas se surpreendem ao saber minha idade. Parece que eu roubei um segredo que é precioso para muitos. Pra mim, espero que seja só uma chance de poder viver outras coisas. Como se eu ganhasse um bônus pra resolver aquilo que ainda não pude.
Meus dedos são longos, mas até mesmo eles não conseguem alcançar os seus desejos. Como aquele desenho que fiz na adolescência tentando em vão abraçar o mundo, sem braços longos o suficiente e nem pés para caminhar.
Não vejo sentido em sentir tanto. Como se as feridas que eu carrego não fossem somente as minhas, mas de toda uma sociedade. E acho que isso tenho razão. Sinto por todas as mulheres que vieram antes de mim e de forma confusa sinto o peso de uma lealdade que não escolhi. Queria todas livres. Não somente eu, mas todas. E não poder escolher por elas me paralizou por muito tempo. Será que quando eu conquistar meu posto, as rugas do tempo vão correr para marcar em minha pele seus sulcos?
Sentir muito parece um eterno pedido de desculpas. Como se o meu existir fosse algo errado. Como se por ser eu mesma, eu estivesse infringindo alguma lei, ou muitas delas. E por ironia da natureza eu vivesse carregando essa percepção de que não posso ser,
por isso,
sinto muito.
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