Despedida

Quando a gente marca a data da partida, o corpo inteiro começa seu trabalho de despedida 

O ambiente vai se tornando cada vez menos familiar, como se nos tornássemos visitas no nosso próprio lugar. Aquele lustre um pouco torto, aquele quadro que ficou por pendurar, o desejo antes vivo de ajustar agora se transforma num quase silencioso incômodo sobre já não mais se importar

Era julho quando você marcou sua data. Sozinho, sem me comunicar, decidiu olhar pra tudo fora e deixar pra lá. Cansou de ter os mesmos problemas pra encarar, perdeu o desejo de apreciar, pareceu tudo difícil demais de lidar. Eu, sem perceber nada, continuei sozinha por nós dois. Eu ainda vivia na mesma casa, que a gente vinha se dedicando a decorar. Mesmo com tantas diferenças, tudo para mim parecia estar entrando no lugar.

Mas em setembro sempre chove muito e eu notei que todos os lugares que você ocupava estavam mofados. Na sua ausência a falta gritava - os espaços que ocupava e a bagunça que fazia. A gente só existe com presença, a gente só existe na rotina. De uma certa forma é verdade, mas não da forma como me diziam.

Quando a gente marca a data da partida, começa uma corrida contra o tempo para apreciar as companhias. Começa a ânsia de viver de uma vez, tudo aquilo que nos negamos viver (ou descobrimos o que realmente importa). Os valores se invertem porque o senso de urgência faz parecer que a vida é só até ali na esquina. Com data marcada sempre é uma contagem regressiva. 

A gente só se esquece que a vida é uma sem data marcada de eterna partida

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