No quarto da Rafa

Eu, que já te disse tantas vezes adeus, hoje quero te pedir perdão. Aliás, não. Porque cada adeus que já falei pra você nunca foi uma despedida.  Ou até que foi. Cada vez que pronunciei essa palavra, finquei ainda mais seu nome no meu peito. Esquentei o ferro em brasa e marquei você como minha dona. Sou todo seu. Cada adeus que disse, foi na verdade pra sobreviver à dor dessa queimadura viva em meu peito, que se alimenta do seu olhar, do seu cheiro, dos seus dedos, do seu beijo... Cada adeus que disse, foi por vergonha de aceitar que mesmo sem querer, pertenço um pouco a você. Eu sou todo seu. Ou quase todo.  Porque toda vez que eu vou, me escondo da força do seu domínio. Quero acreditar que sou independente, que nós temos liberdade, e por isso eu vou. Sei que você me procura e às vezes por isso penso em pedir desculpas por cada adeus. Mas você sabe, por mais que eu fuja, a cada vez que vou fica mais fundo gravado em meu peito: Sou todo seu.

"Tem alguma coisa errada", ouço minha mãe dizer. Ontem ela disse a mesma coisa, anteontem também e acredito, amanhã também dirá. Eu digo pra mim mesma "sei, tem algo errado". Mas, o quê será? A gente acorda cedo, trabalha duro, se joga, pira, briga, resolve, remonta, recria, destrói, reconstrói, faz de novo e? E ainda está tudo lá, no mesmo lugar. Não é completamente ruim que esteja no mesmo lugar, mas poxa, não podia avançar? Amanhece, mais um dia. Uma pilha de louças para lavar, uma pilha de roupas para passar e todos os meus materiais de estudos empoeirados para arrumar. Vejo tudo bagunçado e repito "uhum, tem algo errado". Ontem eu era uma garota cheia de sonhos, que criava, que flutuava e que contava aos quatro ventos "ei, esse é meu sonho" e pensava cada detalhe dele. Eu conhecia meus sonhos. Eu os vivia. Ontem eu entrei numa loja de departamento e fui na seção de adolescentes, que é o tamanho que ainda cabe em mim. Li as frases da...

Eu não gosto de você, claro que não. Por que eu gostaria? Você é legal e tudo, mas é alguém comum... Já se olhou no espelho? Você tem um rosto afinado, um nariz perfeito e um sorriso delicioso meio infantil, mas nada de mais. Nada suficiente assim, pra gostar. Não é porque você conheceu minha madrinha, trocou com ela ideias sobre tricô e fez dela uma fã que eu vou gostar de você. Naaah. O que você pensa que tem demais? Não é porque exala um inebriante cheiro suave e doce de manhã, de tarde e de noite. Naaah. Não é porque meu pai adorou você e te apresentou como nora que vai fazer com que eu goste de você. Ele tava bêbado, assim como nós um ano e meio atrás. ... Não, claro que não tenho ciúmes. Pode namorar o Adão, digo, Adônis, ah, sei lá qual figura histórica é. Juro, nunca fico imaginando o que você faz com ele. Nada. Nem fico pensando como ele se sente quando você o beija, com aquele beijo sensual de corpo inteiro que nunca encontrei em ninguém mais... Deus do céu, como você é s...