Bebel

Nessa vida sempre fui levando as coisas numa boa, no melhor estilo "devagar e sempre". Não me preocupei demais se estava adiantada ou atrasada, se queria comer pizza ou tomar sorvete, se devia virar à esquerda ou à direita. Qualquer coisa tava bom, qualquer coisa me servia. Andei sempre acompanhada e acatava bem as sugestões que me faziam. Sou educada e boa ouvinte. Mamãe sempre dizia que era coisa de 'Isabel', que vovó fora sempre doce e delicada como eu. Meus amigos também sempre diziam que eu era a coisa mais fofa que eles conheciam. Bebel traz doçura no nome.
Fui ombro amigo, caixinha de conselhos, travesseiro, vela, equilíbrio, porto-seguro, livro de sabedoria, fonte de informação, escudo, abrigo, refúgio. Preparei festa surpresa, escondi ovinhos na Páscoa, armei pique-nique num dia qualquer, levei meses criando presentes de aniversário, comprei flores, distribui abraços, carinhos e beijinhos. Qualquer dia que me ligassem eu atendia. Estive sempre muito disponível pra todos os meus muitos amigos. Nunca pude me queixar de estar sozinha e ninguém pode me acusar de ter virado as costas. Nunca fui de criar conflitos ou oposição. Eu estive sempre ali, sempre doce, sempre amável.
Só que talvez, eu nunca tenha entendido o peso que leva essa tal de vida. Eu nunca entendi os caminhos que tem minha própria vida, porque eu simplesmente nunca olhei pra ela. Sempre foi tão bom viver em paz com todos que me rodeiam! Mas um dia eu percebi que na verdade, isso não era assim bem a paz. Nesse dia eu perdi tanto de uma vez que eu entendi que só havia paz porque eu sempre me anulei. Sempre concordei, sempre acatei e sempre doei tudo de bom que eu carregava comigo em prol dos outros. Só que eu não via isso. Eu não via que era sempre eu que fazia tudo, que era a amiga-tudo, filha-tudo, prima-tudo, sobrinha-tudo.

Eu fazia tudo para os outros porque tinha medo de não ter ninguém perto de mim. A verdade é que eu sempre fazia tudo na esperança de que alguém fizesse o mesmo por mim. Eu doava exatamente tudo aquilo que eu desejava. Quando eu comprei presentes é porque eu queria ganhar presentes. Quando fiz surpresa, é porque queria receber. Quando consolei é porque queria ter quem fizesse o mesmo quando eu precisasse. Queria ter ombro amigo, caixinha de conselhos, travesseiro, vela, equilíbrio, porto-seguro, livro de sabedoria, fonte de informação, escudo, abrigo, refúgio.
E não tive. Nunca tive.
Acho que quando você se anula faz com que os outros, de algum modo, anulem você também. Você fica sempre tão 'ali' que passa a fazer parte da decoração.
Demorei tempo demais pra olhar pra minha própria vida e agora entendo o peso do 'demais'. Sei por exemplo, que Bebel é um apelido doce demais.

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